terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

É Tudo a Mesma Coisa!!!!



Um amigo contou-me certa vez que fora junto com outro colega visitar um país vizinho onde se falava castelhano. Querendo tomar um sorvete e confiando na pretensa semelhança das línguas, o colega não titubeou ao ver um sorveteiro. Caminhou confiante até o mesmo e delicadamente pediu:

“Por favor, um sorviete de molhango” (Isso mesmo caríssimos, um “sorvete de morango”)

O vendedor sem entender o que queria o cliente, perguntou:

“Que?”

Nosso herói repetiu, desta vez pausadamente (como se o outro é que não conhecesse o idioma ):

“Um sor-vie-te de mo-lhan-go!”

O vendedor, notando que nosso herói não falava o idioma nativo, mas sabendo que ele desejava um sorvete, pôs-se a mostrar seus produtos. Retirando copinho por copinho, ia mostrando ao cliente o que tinha para vender, para ver se em algum momento agradava-o. Repetidamente mostrou as opções de sorvete, enquanto perguntava:

“És ese?”

“És ese?”

Ao que nosso herói repetia:

“No!”

“No!”

Por fim, mostrou o copinho com sorvete de morango. O cliente, feliz, apontou:

“Esse!”

Ao que o sorveteiro, sorrindo, corrigiu:

“Ah, um helado de frutillas!”

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Julian Assange: um trickster moderno



A figura do trickster é marcada por duplicidades. Meio deus, meio animal; às vezes engraçado, outras malévolo; às vezes inocente e tolo, ora misterioso e sombrio. Mas de suas qualidades uma me parece deveras interessante, sua propensão a subverter a ordem, a zombar dos mandamentos. Em sua cruzada mítica transforma até mesmo as mais tradicionais convenções em brincadeiras e zombarias.
Podemos reconhecer figuras tricksterianas ao longo de várias culturas nas figuras ancestrais do bobo, do tolo, do estulto, a rir muitas vezes da própria desgraça, senão da desgraça do outro. Quem não lembra de Bafo de Bode, em Roque Santeiro, eternamente bêbado em um banco de praça, rejeitado por todos, mas portador da sombra coletiva da pequena cidade, conhecedor dos segredos e intimidades de todos, sempre pronto, com uma língua ácida, a desmascarar os falsos corajosos, os pretensos pudicos, os supostos honestos, em suma, os santinhos e santinhas “ do pau oco”.
Sua imagem liga-se, asssim, à figura do malandro, que desobedece a ordem social, mas é ele mesmo portador do saber que a corrói, mostrando-lhe as falhas, as incongruências. Assim é o trickster, estulto mas também astuto. A quebra da ordem que ele promove não é meramente sombria, não conduz somente a um caos, mas sim a uma nova ordem, vindo esta somente no rastro das reviravoltas e peripécias de nossa vida. A quebra da ordem tem o supremo poder de nos mostrar que as coisas podem sim ser de outra forma. É a face sedutora, fascinante do caos. Talvez por isso, haja algo de malandro, mercúrio, Mefisto, amante sedutor na figura do tricskster. É a sedução, aquilo que nos leva por outros caminhos, que nos mostra novas possibilidades, que quebra nossas certezas, nos impele a outros valores, nem sempre de forma doce e equilibrada, mas também de forma imperiosa e sofrida.




É essa quebra sedutora da ordem, que nos ameaça em nossa segurança existencial, sempre tão afeita ao equilíbrio e ao descanso, que parece incorporada por Julian Assange. O jornalista e criador do site WikiLeaks tem constantemente revelado informações normalmente mantidas em segredo por governos ao redor do mundo. Seus “vazamentos” sobre execuções extrajudiciais no Quênia lhe garantiu o prêmio Amnesty International Media Award de 2009. Suas mais recentes revelações abalaram a ordem mundial e constrangeram muito governantes ao disponibilizarem documentos secretos envolvendo vários governos do mundo.
No mundo virtual dos computadores e da internet, Assange assusta governantes e empresários revelando uma face das relações de poder entre países e grupos econômicos, que colocam o ganho financeiro e político acima de outros princípios. Desmascara a relação estreita demais de empresas e governos que cada vez mais investem em campanhas milionárias visando eleger determinados candidatos, para que estes a seu tempo tornem-se defensores dos interesses de grupos particulares que patrocinaram sua eleição. Para se ter idéia do poder de suas informações, Assange já revelou fotos, vídeos e documentos que comprovaram crimes de guerra do EUA nas guerras do Iraque e Afeganistão, bem como telegramas trocados entre as embaixadas dos Estados Unidos e China acordando em boicotar decisões não favoráveis às suas economias por parte das conferências sobre o clima global.
Recentemente, Assange foi preso sob a acusação de ter molestado sexualmente duas mulheres na Suécia, o que o tornou um dos criminosos mais procurados pela Interpol. Isso mesmo, meu caro, uma acusação de crime sexual tornou o Sr Assange um dos mais procurados pela Interpol. Bons tempos os da Guerra Fria, em que CIA, FBI, MI6, Stazi,KGB, Interpol e outras só se preocupavam com espiões cheios de truques (ops..) e seus ardilosos planos de dominação mundial. James Bond estaria decepcionado. E o que dizer das Bond Girls..?




Mais deixemos isso de lado. O que me pergunto aqui é sobre as conseqüências dessas revelações. A máscara da política internacional nunca ajustou muito ao rosto dos governantes. Berlusconi e suas inconfidências são uma prova disso. Mas os documentos “vazados” pelo WikiLeaks atingem uma dimensão muito maior que constrangimento e embaraços gerados por fofocas e maledicências. Eles nos mostram o lado oculto da política mundial, muitas vezes inescrupulosa e sem medidas na busca do poder. Eles rasgam o véu de Maya que cobre nossos olhos e nos mostram que por baixo dessa visão dicotômica da realidade sempre pronta a idolatrar heróis e denunciar e combater vilões, muito mais se esconde. Não é só a ordem governamental de alguns países que o WikiLeaks abala, mas nossa própria ordem psíquica, nossa própria ingenuidade pueril, que foi ensinada a confiar num mundo que tende a desaparecer, se é que algum dia existiu, povoado por salvadores da pátria, sempre a postos para a salvar os pobres indefesos, salvaguardando a honra, o moral, as tradições. Uma história velha que se renova a todo instante.
È com certa ironia que vejo a semelhança entre o herói “matrixiano” Neo, despertando as pessoas de seu sono ilusório para que possa ver a realidade (se é que isso também existe) e nosso herói tricksteriano Assange, despertando as pessoas para os bastidores da política mundial.
Assange nos atinge por que muitas vezes nossa relação com a política é passiva. Quantos voltam-se para a política apenas em momentos de eleição ( às vezes nem isso, – veja o alto índice de eleitores que não votaram na eleição presidencial ) ou para saber do mais novo escândalo de corrupção. Ficamos passivos diante dos governantes, entregues às suas decisões, como crianças, filhas do bom pai-Estado. Jung diz em Civilização e Transição que o Estado representa uma coletividade, e quem confia passivamente no Estado, espera em uma coletividade, o que implica em esperar de todos, menos de si. Sua consciência, pré-requisito de sua individuação, não entra no jogo, não assume uma posição frente a si e ao mundo. Creio que, de certa forma, é a essa tomada de consciência que nos convida o Sr. Assange, a nos posicionarmos frente ao mundo, a sairmos de nossa passividade, a colocarmos nossa consciência em jogo.




Mas que sabe o que realmente farão as revelações do WikiLeaks? Talvez caiam no esquecimento com o tempo ou possam provocar pessoas ao redor do mundo, nessa via incontrolável que é a internet, para uma nova percepção da ordem política e econômica mundial.
Talvez essas revelações ainda provoquem embaraços para muitos líderes, políticos, empresários, em muitos lugares. Afinal de contas, dizia Nelson Rodrigues que se todos conhecêssemos as intimidades uns dos outros, não apertaríamos as mãos. Já pensaram como ficaria aquela foto tradicional entre líderes políticos apertando as mãos enquanto inúmeros fotógrafos registram o fato. Constrangedor, embaraçoso???? Talvez não...
Mas fico pensando como seria legal, um dia qualquer encontrar pela rua o fundador do WikiLeaks, cumprimentá-lo, apertar-lhe a mão e ouvi-lo dizer:

“Muito prazer. Assange, Julian Assange.”

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Lançamento Junguiano





Caros amigos, é com prazer que apresento o livro “Sonhos: do arquetípico ao cotidiano”, mais um lançamento junguiano sob a tutela de Dulcinéa da Mata Ribeiro Monteiro, analista junguiana, membro do Instituto Junguiano do Rio de Janeiro e da International Association for Analytical Psychology – IAAP. Dulcinéa, já autoras de várias publicações, organiza o livro e assina dois de seus capítulos.
O tema do livro, embora já tenha ensejado inúmeras publicações, revela seu frescor como uma questão sempre aberta a novas possibilidades e questionamentos. Não é à toa que Jung dedicou muito tempo ao entendimento das imagens trazidas por seus sonhos e fantasias, como podemos ver em sua autobiografia, Memórias, Sonhos, Reflexões, que é traçada seguindo o fluxo de suas imagens interiores. Da mais tenra idade aos últimos anos de vida, vemos um olhar voltado para esse fluxo de imagens interiores, carregado ora de curiosidade e espanto juvenis, ora por devota atenção, dedicada a iluminar os obscuros caminhos rumo ao Inconsciente.
A obra, publicada pela editora WAK, conta com doze capítulos escritos por doze autores diferentes, abarcando temas como a morte, criatividade, persona, transferência, literatura e outros, estabelecendo suas relações com os sonhos enquanto produto do inconsciente. Ao longo de suas mais de duzentas páginas, o leitor poderá mergulhar no tema e em suas muitas relações com o cotidiano da vida, desmistificando o assunto e mostrando o quanto a percepção da importância dos sonhos pode ser rica não só teoricamente para os profissionais que trabalham com o pensamento de Jung, mas também existencialmente para cada um de nós.


Abaixo, segue a listagem dos capítulos:
1. Sonhos e Fantasias – uma Vida Tecida entre Imagens – Farley Valentim
2. Autorregulação – Solução Criativa do Inconsciente – Dulcinéa Monteiro
3. A Psique Anoréxica – Sonhos e Persona – Anita Mussi Klafke
4. Sonho – o Teatro do Inconsciente – Jussara César e Melo
5. Os Sonhos e o Self – Joel Sales Giglio
6. Sobre a Poética Onírica e Transferencial – Paulo César de Pinho
7. A Tela dos Sonhos – Maria Cecília Zanata
8. Sonhos e Literatura – Sérgio Anauate
9. Tradição Católica e Tradições Indígenas – Fernando Rocha Nobre
10. Os Sonhos e a Cabala – Aldroaldo Coelho e Luiz Augusto de Queiróz
11. Os Sonhos e a Imaginação da Morte – Dulcinéa Monteiro
12. Sonhos Mediúnicos – Djalma Motta Argollo

Boa leitura a todos!!!!


P.S. O livro é de particular importância para mim por ser um dos capítulos de minha autoria, o que só foi possível devido ao gentil convite da organizadora. Assim, aproveito para apresentar um carinhoso agradecimento e reconhecimento à amiga Dulcinéa. Um grande abraço.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

A Origem




A Origem (Inception, 2010) tem tudo que um bom filme de ação precisa e algumas coisas das quais ele não precisa. Do lado do primeiro temos bons atores, ótimos efeitos especiais, uma história intrigante, lutas, perseguições e, acima de tudo, altas doses de adrenalina e imaginação. Por outro lado, algumas perguntas ficam sem resposta, como por exemplo, de onde veio essa história de entrar na mente dos outros? Mas isso pouco importa, pois um bom filme deve sempre deixar o espectador em alerta. Quanto mais nos perguntamos sobre o filme, tentando resolver e explicar seus pormenores, mais nos apegamos a ele. O doce prazer de resolver um enigma após longos minutos de especulação. Como nos lembra tricksterianamente Mr Cobb: “Nada é mais insistente que uma idéia.” Assim, qualquer ponto negativo em A Origem é suplantado e perdoado por seu lado positivo, ou seja, vale à pena assistir ao filme. E olha que nem sou tão fã assim do Di Caprio.
O filme nos coloca na mais nova fronteira, ou talvez nem tão nova assim, da imaginação. Ao invés de roubar dinheiro e segredos em cofres, bancos, etc., por que não fazê-lo dentro da própria psique? E se podemos roubar algo da mente de alguém, por que não poderíamos colocar algo lá? Grande pergunta, não?
Outro ponto intrigante da trama: o tempo. Em sua imaginação, o diretor Christopher Nolan, estabeleceu tempos diferenciados para as diversas camadas de uma psique estratificada. Cinco minutos na vida real seriam uma hora no mundo dos sonhos; uma hora em uma primeira camada do sonhos seriam tantas horas em uma camada a mais, um sonho dentro de um sonho, e assim sucessivamente, ao ponto de o tempo de uma vida nas profundezas da psique pudesse ser reduzida a alguns instantes na vida real. Intrigante.
Imaginem o que Dom Cobb poderia fazer se usasse seus poderes para o bem. Já pensaram em um terapeuta que pudesse vasculhar a alma, encontrar os problemas que causam o sofrimento e simplesmente os retirasse de lá, como se eles nunca tivessem existido, ou mesmo colocassem lá novas idéias que nos permitissem lidar melhor com eles. Pura e assustadora imaginação. Será isso um dia possível. Se Nolan é só alguém com muita imaginação ou um visionário não creio que chegaremos a saber. Mais isso é mera especulação.


Mas há algo além no filme. Assim como em Matrix, somos levados a nos perguntar: o que é o real? Como no velho conto chinês do sábio que sonhou que era uma borboleta e quando acordou não mais sabia se era um homem que havia sonhado que era uma borboleta ou uma borboleta que sonhava que era um homem. Será que aquilo que chamamos de real é o real? Podemos realmente enxergar a realidade? Jung nos diz que a psique cria realidade. Em que medida essas duas realidades se entrelaçam e qual das duas podemos realmente chamar “real”? Mas ainda estamos filosóficos demais. Como no filme, precisamos descer mais um nível. Por trás de uma trama mirabolante, efeitos especiais, cenas de ação, desenrola-se calmamente, como um lento tempo da alma, o drama pessoal de Dom Cobb.
Conhecemos a história pessoal de Dom Cobb aos poucos. Primeiro que ele não pode voltar pra casa, depois que há muito não vê os filhos. Mais à frente que as razões disso são que Cobb é acusado da morte de sua esposa ( sim, ela morreu) e, posteriormente, que ela se suicidou após achar que o mundo no qual vivia não era real e que o mundo dos sonhos é que era real. E quando pensamos que entendemos tudo, descobrimos que... Não, claro que não vou contar o final do filme. Basta saber que Cobb se culpa pela morte da esposa e é a projeção desta em seus próprios sonhos que atrapalha todos os seus planos.
Nesse ponto começamos a perceber que A Origem não é apenas mais um filme de ação, mas um intrigante thriller psicológico. Precisamos, como no filme, descer mais um nível.
Para realizar seu mais ardiloso plano, plantar uma idéia na mente de um empresário, Cobb precisará primeiro vencer não as defesas da vítima, mas as suas próprias, pois é a projeção de Mae, sua esposa, que dentro de sua mente sabota todas as suas atividades. Como um bom complexo inconsciente, Mae afeta constantemente as ações de Cobb, interferindo em seus julgamentos, provocando receios, medos, etc. Qualquer semelhança com um processo de análise não é mera coincidência. Aqui o tema do real pode voltar até nós, quando lembramos o quanto emoções inconscientes afetam nossas ações, julgamentos, percepções, alterando aquilo que chamamos de real.


As emoções afetam diariamente nossa relação com a realidade; não é à toa que um dos passos da análise é retirar dos objetos as projeções para que o Eu possa lidar com aquilo que lhe pertence e que ele pensa pertencer ao outro. O diretor Nolan, tricksterianamente, ainda dá à personagem que auxilia Cobb a enfrentar sua própria culpa o nome de Ariadne, uma doce garota que lhe ajudará a sair desse labirinto de emoções.
Na verdade, não estamos, em alguns pontos, tão distantes de Cobb. A realidade na qual vivemos é irremediavelmente preenchida por nossas emoções e afetos, que surgem nas fantasias que tecemos sobre o mundo. Quantas vezes nos agarramos a certas fantasias, a mundos irreais? E quantas vezes nos negamos a ver partes sombrias de nós mesmos, preferindo olhar para o outro lado, nos apegando a uma realidade diferente, mais doce, suave, mesmo que intimamente fantasiosa?
Dom Cobb tentou esconder sua culpa nos subterrâneos de sua alma, mas ela sempre voltou pra lhe perturbar, lhe sabotar, lhe cobrar o preço de seus atos. Talvez isso tudo torne A Origem tão bom. Essa provocação quase despercebida a nós mesmos. Aquilo que você vê é real? Não haverá emoções inconscientes alterando sua percepção agora mesmo, enquanto vê o filme, enquanto julga se gostou ou não desse texto?
Ao longo do filme, Cobb realiza seu mergulho particular, apesar de acompanhado por seu grupo de ladrões, para pagar o preço que é devido e ajustar contas consigo mesmo. Quase um convite feito a cada um de nós. Se isso o conduzirá, ou nos conduzirá, à realidade e não a mais um sonho, nem mesmo o filme conseguirá responder.


segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Anima




A literatura sempre teve o supremo poder de expressar a alma em suas metáforas. Não é à toa que as tragédias e glórias humanas aparecerem tantas vezes retratadas na vida de personagens literários. O que dizer então dessa imagem do feminino, a que Jung deu o nome de Anima?

“Afinal de contas... a vida dos homens sempre gira em torno de uma só mulher: essa em que se resumem todas as mulheres do mundo, vértice de todos os mistérios e chave de todas as respostas. Essa que maneja o silêncio como ninguém, talvez porque seja esta uma linguagem que fala à perfeição. Essa que possui a lucidez sábia de manhãs luminosas, entardeceres vermelhos e mares azul cobalto, temperada de estoicismo, tristeza infinita e cansaço, para quem uma só existência não basta. Era preciso, além disso, ser fêmea, ser mulher, para olhar com semelhante mistura de tédio, sabedoria e cansaço. Para ter esta capacidade de penetração aguda como uma lâmina de aço, impossível de aprender ou imitar, nascida de uma longa memória genérica de vidas inúmeras, viajando como butim no porão de naus côncavas e negras, com as coxas ensangüentadas entre ruínas fumegantes e cadáveres, tecendo e desmanchando tapetes durante inúmeros invernos, parindo homens para novas Tróias e aguardando o retorno de heróis exaustos; de deuses com pés de barro a quem às vezes amava, volta e meia temia e quase sempre, mais cedo ou mais tarde, desprezava.”

A Carta Esférica, Arturo Perez-Reverte

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Chico e Zeca



O pastor virou doleiro, dinheiro virou cultura,
poesia virou salário, vulgaridade, receita.
Deus me livre dessa seita cujo Deus é feio e triste.
Se o belo ainda existe, o belo eu quero procurar.

Outono, verão, inverno, o mundo virou inferno.
Que o diabo pós-moderno, haja fogo pra queimar.
Da cintura pra cima só visto a calça da rima,
só quero o que me anima, o imã que me atraia,
o fogo que me atice.

Uma vez meu pai me disse ‘Meu filho, a vida é
um grande concurso de misse, alucinação de Alice,
pernas de Cyd Charisse procurando Fred Astaire’.

Eu detesto George Bush desde a Guerra do Kwait.
Eu não quero que tu te vás, mas seu tu quer ir-se, vai-te.
Quero adoçar minha sina, que viver tá muito diet.
Danação é cocaína, mesmo quando chamam bright.
Gosto de você menina, mas detesto coca-light.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Lançamento do Livro Vermelho em Fortaleza


A Editora Vozes, em parceria com o Sizigia - Nucleo de Estudos em Psicologia Analítica - e o Labirinto - Laboratório de Individuação e Reintegração da Totalidade, convidam para o lançamento do Livro Vermelho ( Liber Novus ) de C. G. Jung.
O Livro Vermelho representa um marco na vida de Jung. Ele seria definido por seu autor como o ponto a partir do qual tudo se originou, e os anos de sua execução como o mais importante tempo de sua vida.
Trabalhado em uma caligrafia de aspecto medieval e ilustardo com desenhos que representavam sua fantasias interiores, o Livro Vermelho marca o confronto de Jung com o inconsciente, rumo à sua jornada interior.
Acerca desse período de confronto com a interioridade da alma, Jung escreve em Sonhos, Memórias, Reflexões:

“Em última análise, só me parecem dignos de ser narrados os acontecimentos da minha vida através dos quais o mundo eterno irrompeu no mundo efêmero. Por isso falo principalmente das experiências interiores. Entre elas figuram meus sonhos e fantasias, que constituíram a matéria original de meu trabalho científico”(Jung, 1975:20).

Definido com receptáculo de sua obra, o Livro Vermelho é um lançamento há muito esperado e que merece figurar na estante de todo apreciador da obra junguiana.

O evento contará com a presentação do livro por Farley Valentim ( Sízigia ) e Evaldo Costa (Labirinto)

Data: 27 de Agosto

Horário: 19 horas

Local: Instituto Gaia, Rua José Vilar, 964, Aldeota, Fortaleza - Ce

terça-feira, 24 de agosto de 2010

A Dangerous Method: Jung, Freud e Spielrein



Começa a ser rodado o próximo filme de David Croneberg (Senhores do Crime, Gêmeos: Mórbida Semelhança ) entitulado A Dangerous Method. A história se baseia na peça The Talking Cure, de Christopher Hampton, que romanceia fatos e acompanha a relação dos pais da psicanálise, Jung e Freud, com a russa Sabina Spielrein, uma das primeiras mulheres psicanalistas da história, que foi paciente no hospital onde Jung trabalhava, em Zurique.
A sinopse divulgada pela distribuidora australiana Hopscotch Films - que detém os direitos sobre a peça - dá a entender que o filme se desenvolverá como thriller psicológico: "Uma bela mulher, elouquecida por seu passado. Um ambicioso médico com uma missão de vencer. Um estimado mentor com uma cura revolucionária. Que os jogos mentais comecem...".

O filme se passa no início da Primeira Grande Guerra em Zurique e Viena que "são o cenário para uma história sombria de descoberta sexual e intelectual", segundo a sinopse. "Escrito a partir de eventos reais, o filme é um vislumbre na turbulenta relação entre o inexperiente psiquiatra Carl Jung, seu mentor Sigumund Freud e Sabina Spielrein, uma perturbada e bela mulher que se coloca no caminho deles. Na trama entra Otto Gross (Vincent Cassel), um paciente pervertido que está determinado a passar dos limites".
As filmagens da obra começaram em maio deste ano, nas cidades de Viena, Zurique e Munique, e devem durar dez semanas. Embora sem data definida A Dangerous Method tem estreia está prevista para 2011
(Foto: Fassbender - Jung)
O filme contará com as atuações de Michael Fassbender (Bastardos Inglórios), como Jung; Viggo Mortesen (Senhores de Crime, O Senhor dos Anéis), como Freud e Keira Knightley (Piratas do Caribe), como Sabina Spielrein. A atriz alemã Katharina Palm fará o papel de Martha Freud enquanto a canadense Sarah Gadon emprestará sua beleza ao papel de Emma Jung. O ator Christoph Waltz (ganhador do Oscar de ator coadjuvante por Bastardos Inglórios) chegou a ser cotado para o papel de Freud, mas desistiu.

Com certeza uma grande pedida para o próximo ano.


P.S Abraço ao amigo Marcus pela dica

Noel Rosa (1910-1937), além de grande compositor, era um carioca muito espirituoso. Algumas histórias que circulam sobre ele são tão extraordinárias que parecem ter sido inventadas. Conta-se que um amigo de Noel, o desenhista Nássara (1910-1996), encontrou-o uma manhã, em um bar, bebendo uma cerveja acompanhada de steinheger, um tipo de aguardente alemã. Preocupado com o amigo, já acometido da tuberculose que o mataria precocemente, Nássara tentou advertí-lo do perigo. Na mesma hora, Noel passou a descrever as propriedades nutritivas da cevada, chegando a dizer que uma cerveja era equivalente a um prato de comida. O desenhista, então, questionou: "Mas Noel... e o steinheger?" Afiado, o poeta de Vila Isabel justificou: "Não dá pra comer sem uma coisinha pra acompanhar..."

(trecho extraído da Revista de História da Biblioteca Nacional, nº 58, julho de 2010, pág 84)

domingo, 22 de agosto de 2010

Dietética


O bom e velho Jung costumava dizer que as melhores conversas que tinha tido tinham sido com pessoas comuns e não com grandes acadêmicos e doutores. Pois é meu caro amigo, definitivamente nada é mais interessante do que nós mesmos. Afinal de contas, há algo mais delicioso e surpreendente ( e também difícil, confesso ) do que escutar alguém? Não os grandes discursos, planejados e muito antes revisados, mas sim nossas pequenas conversas, nas quais encontramos da genialidade à estultície, do cinismo ao melodrama, da genuína emotividade ao teatro histriônico.
De forma ou de outra o despropósito dos encontros casuais pode nos brindar com pérolas que espelham a alma humana.
Pois eis que por esses dias, despretensiosamente aguardando o início de uma aula ouvi em uma conversa, que se iniciava já com certos ares de polêmica, um argumento curioso que dava conta do fato de quanto as pessoas fazem sacrifícios para obter uma imagem ideal. E o assunto correu para as exigências do mercado, para essas mulheres photoshop nas capas de revista. Aliás, a melhor definição que já vi sobre essas mulheres maravilhosas e inexistentes foi que elas eram como o monte Everest: você sabe que existe, mas daí a você ver de perto!!!. O certo é que com o papo continuando e a polêmica aumentando para o assunto desemborcar em troca de receitas e idéias sobre dietas e emagrecimentos foi um pulo.
De repente estava lá. Era o fantasma do arquétipo excitando as mentes do grupo. Todos tomados repentinamente por uma imagem. Literalmente por uma imagem, se é que isso é possível.
A impressão que tomou conta de mim foi: que falta de senso estético. De repente percebi que não se come mais nada por prazer, pelo próprio pecado da gula. Mutilamos os sete pecados. Tudo agora entope artérias, causa diabetes, provoca câncer. Nossos grandes inimigos hoje são a carne mal passada, o açúcar e a gordura saturada. Que decadência para quem já lutou contra ditaduras, moral, religião, etc.
Já pensou se Eva tivesse comido a maçã movida não pela tentação, mas por suas propriedades terapêuticas? Imaginem a cobra dizendo: “Como, coma, sua pele vai ficar mais lisa e saudável; seus dentes vão ficar limpos, deixa um hálito bom”. Onde estaríamos???????
As coisas estão animadas, ganharam o poder de nos matar. Sentamos à mesa à frente de um bom filé mal passado como se sentássemos em frente a um inimigo. Um ser vivo que espera passivamente ser destroçado por facas, garfos e dentes, mas já sabendo de antemão e deliciando-se em sua presciência, que sua vingança está garantida. Gargalhando histericamente rumo ao estômago pronto a espalhar suas calorias e gorduras, tramando em atrapalhar a digestão, quem sabe provocar um pesadelo mais tarde. Quem sabe até...
Ao invés do célebre dilema edipiano frente à Esfinge, que ordenava “Decifra-me ou te devoro”, temos agora: “Devora-me e te entupirei as artérias”.
Hoje somo doutrinados a comer só o que é saudável, o que tem ômega 3, o que é desnatado, descafeinado, dietético, light, e, pelo jeito que as coisas vão, sem gosto. Por que afinal de contas se for muito gostoso você pode querer comer de novo e como já sabemos: tudo demais faz mal.
Pense nisso e não se espante quando você se descobrir estoicamente agarrado a uma barrinha de cereal.

quinta-feira, 14 de maio de 2009


Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, o nome já parece uma brincadeira, mas não é. O citado cidadão acima viria a ser conhecido como Barão de Itararé, auto rebaixado do título de Duque, dizem alguns, por modéstia. Nascido gaúcho, tal qual outro célebre escritor de veio humorístico, Luís Fernando Veríssimo. Foi preso, às vezes espancado, por ser crítico de certas idéias e regimes. Mas não perdeu o bom humor. Autor de frases cômicas e sarcásticas, chegou a dizer que preferia perder o amigo à piada. Dizem que uma vez após ser seqüestrado e espancado, quando retornou à redação do jornal no qual ora trabalhava, afixou uma placa à porta: “ Entre sem bater ”. Não é preciso dizer mais.
E é em homenagem ao velho Barão que inauguramos aqui o “ Espaço do Barão ”, espaço dedicado a comentar acontecimentos improváveis, prosaicos, inesperados, absurdos, inverossímeis, e por que não dizer, tricksterianos.